segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Direito Internacional em Foco: O Dilema das Ilhas Malvinas após o Reconhecimento da Extensão da Plataforma Continental Argentina

 A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
 
O Dilema das Ilhas Malvinas após o Reconhecimento da Extensão da Plataforma Continental Argentina

Daniel O. de Andrade
Lucas Q. Martins


A crescente importância do Atlântico Sul no cenário geopolítico global envolve, para a Argentina, importantes demandas territoriais sobre as Ilhas Malvinas e as Ilhas Atlânticas. Tais demandas encontram-se imbricadas em uma histórica disputa com o Reino Unido, que neste ano receberam um novo e importante elemento: a plataforma continental argentina foi legalmente expandida a incluir os arredores das ilhas.
As Ilhas Malvinas, em inglês, Falkland Islands, e em espanhol, Islas Malvinas, são destaques geopolíticos do Atlântico Sul por serem palco de uma histórica disputa, que pode ser sintetizada pelos seguintes pontos: primeiramente, a posição estratégica das ilhas relativa ao tráfego marítimo na região austral; em um segundo momento, a questão do orgulho nacional, tanto para Argentina, quanto para o Reino Unido; posteriormente, o fato de que a posse de territórios adjacentes à Antártica poderia, eventualmente, outorgar direito sobre esse continente em negociações futuras; e, finalmente, a recente descoberta e exploração de petróleo no arquipélago pelos ingleses.
O conflito intitulado Guerra da Malvinas, episódio central na história do arquipélago, ocorreu entre os dias 2 de abril e 14 de junho de 1982, terminando com a vitória da armada britânica. O conflito começou com a reclamação da Argentina pela soberania do arquipélago, então sob o domínio do Reino Unido, que havia invadido e tomado à força as ilhas em 1833, pouco após a independência argentina.
Este conflito remonta desde o período colonial, ou seja, já era objeto de litígio entre Grã-Bretanha e Espanha. Após a independência da Argentina, a nação considerou-se herdeira dos direitos espanhóis sobre as ilhas, uma vez que a sub-administração colonial que exercia o controle sobre as ilhas era aquela que se tornaria a Argentina. Esta disputa, então, passou a ser travada entre Argentina e Reino Unido, até a total ocupação, por parte dos ingleses, das ilhas em 1833.
Em 1982, as tropas argentinas, a mando de um ditador em fim de carreira, desembarcaram nas Falkland. Em poucas horas tomaram o arquipélago esquecido no Atlântico Sul. A ação, uma tentativa atabalhoada do general Leopoldo Galtieri pra desviar a atenção dos problemas de seu governo e dar sobrevida ao regime linha-dura, acabou saindo pela culatra. Três semanas depois da invasão, navios de guerra britânicos enviados pela então primeira-ministra Margaret Thatcher chegaram às ilhas e, em meros 74 dias, renderam as mal equipadas e mal treinadas forças invasoras. Em meio à escalada de tensão na relação entre a Argentina e o Reino Unido, a União Europeia reafirmou sua posição de que os territórios que fazem parte do arquipélago estariam sob autoridade britânica, conforme estabelecido pelos últimos tratados fundadores do bloco.
A discussão acerca da soberania reacendeu há alguns anos devido à notícia da instalação de petrolíferas pelo Reino Unido. O programa de exploração de petróleo no arquipélago é severamente questionado pela Argentina e provocou uma nova escalada nas relações bilaterais entre os dois países. O Estado argentino passou a incorporar, desde então, a questão do petróleo às reclamações diplomáticas internacionais. Além disso, cada vez mais tem pressionado para que se reiniciem negociações acerca da posse, rejeitadas pelos britânicos.
O Reino Unido justifica a sua rejeição às negociações com a invocação de um pretendido direito à autodeterminação por parte da população das ilhas, argumento este que tem sido rejeitado de forma reiterada pelas Nações Unidas. Isso pois a ONU entendeu que uma população transplantada pela potência colonial, como é o caso das Ilhas Malvinas, não é um povo com direito à livre determinação no sentido de aceitação ou não de um terceiro, visto que não se diferencia do povo da metrópole.
Se antes a afirmação da autonomia argentina sobre exploração econômica nas Ilhas Malvinas, a despeito de seu controle efetivo pelo Reino Unido, era algo totalmente questionável, agora, após a recente notícia do aumento da plataforma continental argentina ser reconhecido pela ONU de forma a contemplar as ilhas, a questão toma novos rumos.
A plataforma continental de um país ribeirinho é a última área do mar sobre a qual um Estado pode ter seus direitos reconhecidos pelo direito internacional. Em alguns casos, pode estender-se para além das tradicionais áreas do mar territorial, da zona contígua e da zona econômica exclusiva, que somados chegam a 200 milhas náuticas desde o litoral do país. Mediante pleito, fundamentado pela Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, e aprovação da Comissão competente, a plataforma pode estender-se até atingir o máximo de 350 milhas náuticas, permitindo ali a exploração econômica exclusiva do país. Em março deste ano, a Argentina teve seu pleito de extensão da plataforma continental aprovado, o que resultou na incorporação das Ilhas Malvinas no alcance da nova posse.
Com isso, a demanda argentina ganha novo teor, amparado juridicamente e amplamente reconhecido pela comunidade internacional. Mas, vale destacar, tal fato só afirma um direito de exploração econômica sobre o leito do mar, o que no caso dos arredores das Malvinas, incluem minerais e hidrocarbonetos, os quais estão são explorados efetivamente pelo Reino Unido. Com o aval da ONU, a Argentina incorpora 1.7 milhão de quilômetros quadrados ao seu território marítimo, aumentando em 35% a sua superfície atual, atingindo por fim a marca-limite das 350 milhas náuticas desde o litoral.
Quanto à questão da soberania em sua forma plena, devemos lembrar que em uma abordagem puramente democrática, as Ilhas Malvinas seriam um território ultramarino britânico, pois em 2013, através de um plebiscito, os moradores do arquipélago votaram massivamente (99,8% dos consultados) a favor de permanecer sob o domínio da Rainha. Não obstante, segue pertinente a observação argentina de que a suposta população malvina que respondeu ao plebiscito é de origem britânica, transplantada para ali após a vitória do Reino Unido na guerra, restando pouquíssimos nativos das ilhas.
O Reino Unido diz que decisão da ONU sobre a plataforma não afeta a soberania. A decisão foi anunciada pelo ministério argentino das relações exteriores e atende a uma petição apresentada pela Argentina em 2009. De acordo com o comunicado britânico, segundo o jornal argentino Clarín, “é importante notar que é um comitê de conselho, que faz recomendações que não são legalmente obrigatórias. Essa comissão não tem jurisdição sobre questões de soberania", e acrescenta ainda que "o importante é o que pensam os moradores das ilhas Falkland. Eles deixaram claro que querem ser um território britânico e apoiamos seu direito de determinar seu futuro".
Com relação à resposta britânica, por fim, cabe destacar que é muitíssimo vasto o debate na doutrina jurídica internacional quanto à obrigatoriedade legal das ditas recomendações dos órgãos competentes, uma vez que, sendo todas suas decisões nomeadas recomendações, tomá-las como não obrigatórias em situações de litígio esvaziaria todo o sentido do Direito do Mar, deixando suas medidas às arbitrariedades estatais. Ainda, é de se notar que o próprio parecer final reconhece a existência de um litígio envolvendo os dois países, o que, de certa forma, é também uma vitória argentina.


Bibliografia:
VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional público. - 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Results of the referendum on the Political Status of the Falkland Islands. Disponível em: http://www.falklands.gov.fk/results-of-the-referendum-on-the-political-status-of-the-falkland-islands/
ONU reconhece aumento de plataforma continental da Argentina. - Texto de Nahuel Mercado Diaz. Disponível em: http://www.clarin.com/br/ONU-reconhece-plataforma-continental-Argentina_0_1549045279.html
VAZ, Alcides Costa . O ATLÂNTICO SUL NAS PERSPECTIVAS ESTRATÉGICAS DE BRASIL, ARGENTINA E ÁFRICA DO SUL. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4621/1/BEPI_n6_Atlantico.pdf >
 ANDRADE, Mariana Dionísio; HISSA, Carolina Soares. ILHAS MALVINAS: UMA QUESTÃO DE SOBERANIA.  Disponível em: <http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic2/vi_encontro/Encontro_Fa7_lhas%20Malvinas.pdf >
A QUESTÃO MALVINAS 50 anos da Resolução 2065 (XX) das Nações Unidas. Disponível em: http://docplayer.com.br/12528967-A-questao-malvinas-50-anos-da-resolucao-2065-xx-das-nacoes-unidas-a.html

 

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